História da cerveja e da comida #2
outubro 22, 2022Aprenda a técnica básica de harmonização para saber a melhor cerveja para cada prato
Depois de um rápido gole na história da bebida com comida, entendemos que ambas sempre caminharam juntas e se valorizaram até chegar ao ponto atual, no qual as pesquisas e estudos trazem a tão aclamada harmonização. Se você caiu aqui e acha que essa prática é um bicho de sete cabeças, fique tranquilo, vamos dissecá-la para você.
História da harmonização
A harmonização de comidas e bebidas ganhou notoriedade na clássica e alta gastronomia francesa, que passou adiante uma imagem de exclusividade em seus pratos e bistrôs. Outros países como Portugal e Espanha, que assim como a França tem um ótimo terroir para uvas, também tinham suas gastronomias harmonizadas com vinho, porém, boa parte dos países do leste europeu e a Inglaterra mantiveram suas culturas ligadas à cerveja, fazendo o mesmo trabalho com seus pratos típicos. Porém, seja por falta de contato com a cultura ou mesmo uma menor valorização da culinária desses países, acabou que essas harmonizações não chegaram no Brasil. A lógica é mais ou menos assim: que prato é mais “chique”, o coq au vin francês ou fish and chips inglês?
Ou seja, o vinho era visto como a grande opção para harmonização com comida até meados de 1977, quando o jornalista e crítico de cervejas inglês Michael Jackson, foi ao ar com o documentário “The Beer Hunter”, que apresentou as culturas cervejeiras de Alemanha, Bélgica e Inglaterra ao mundo (inclusive participando de um jantar baseado em cuisine à la biere, prática que utiliza cerveja em todos os processos da cozinha, assim como fizemos aqui no blog).
Técnicas de harmonização
Tecnicamente falando, a cerveja pode substituir o vinho em quase todas as ocasiões, além de abranger ainda mais aromas e sabores que às vezes o fermentado de uva não consegue, simplesmente pela gama bem maior de ingredientes e variedades disponíveis na constituição da cerveja. Uma boa técnica é pensar no prato antes e encaixar a cerveja depois, porém, conversando com colegas com menos experiência de cozinha, vi que a preferência de escolher a cerveja antes e encaixar o prato depois também funciona. E é nesse ponto em que você deve confiar no seu coração e fazer da maneira que lhe for mais confortável. Nosso objetivo aqui é só te convencer a elevar sua experiência com o paladar.
O que segue são apenas dicas para facilitar o seu trabalho na hora de decidir o que e como fazer, e nós chamamos essas dicas de diretrizes. Essas diretrizes nada mais são do que categorias que dividem os principais aspectos da harmonização, cada um com objetivo diferente, e são eles:
- Equilíbrio: Começamos por uma das diretrizes mais simples, porém mais importantes também. O equilíbrio fala de forças, ou seja, se um prato é muito pesado ou condimentado, que a cerveja também seja.
Aqui não falamos diretamente de aromas ou sensações de boca, mas de presença. O exemplo, então, é de um filé de tilápia com molho de limão siciliano com uma Witbier. Ambos são leves e refrescantes e vão harmonizar muito bem quando falamos em aromas também, mas não é o foco ainda.
- Semelhança: Você vai buscar características comuns entre prato e cerveja, seja ela na condimentação ou na caramelização/tosta – com base no que você já conhece e treinou usando a diretriz de Equilíbrio.
Aqui nosso exemplo é de um Carré de cordeiro e uma Imperial IPA inglesa (quanto mais pender para o malte, melhor). O carré é uma carne forte, grelhada e brevemente assada, comumente leva um tempero mais intenso e herbal como o hortelã e o tomilho. Já a Imperial IPA com lúpulos ingleses é uma cerveja forte, encorpada, com dulçor de malte mais presente, com aromas herbais advindos dos lúpulos e com teor alcoólico elevado. Parece que não, mas funciona muito bem: a caramelização da carne se assemelha com a caramelização do malte da cerveja, enquanto a carbonatação e o álcool cortam a sensação de gordura e os temperos com as características herbais do lúpulo mantêm a semelhança e se elevam mutuamente.
- Contraste: A ideia de contrastar é que dois pontos se equilibrem ou deem valor para um outro sabor. Como sempre, mesmo contrastando os sabores, aqui você precisa manter o equilíbrio, nenhum dos componentes devem se sobrepor.
Vamos além do básico para trazer o sorvete de baunilha acompanhado de Dry Stout ou Export Stout. O sorvete traz o dulçor e a sensação de preenchimento na boca, devido a gordura do leite. Quando combinado com esse estilo de final seco, com forte influência da torra e um sabor intenso de café, você contrasta todos os pontos trazidos por essa combinação e ainda mantém equilibrado. É uma boa dica para substituir a tradicional sobremesa Afogatto, caso você não tenha um café expresso tão facilmente.
Outro exemplo são os, alimentos mais picantes, que as vezes parecem mais complexos na hora de montar uma harmonização. E aqui temos três opções: caso você queira diminuir a sensação de picância, você pode optar por uma cerveja tipo Pilsner, refresca o palato e diminui um pouco a ardência. Ou uma amber lager, cuja influência do malte traz um leve dulçor que também diminui o calor causado. Mas, se você quiser potencializar o poder da capsaicina (o agente “picante” da pimenta), você pode combinar com uma cerveja mais alcoólica, como uma Tripel, cujo calor do álcool potencializa o calor da pimenta.
- Complementação: nessa diretriz, você une os componentes em comum do prato e da cerveja, mas diferentemente da semelhança, aqui o foco são os ingredientes em si.
Um exemplo que explica bem é o cheesecake de frutas vermelhas e Lambic também de frutas vermelhas, combinando as frutas, complementando e elevando os sabores em comum. Ou então uma torta de maçã com uma Blond Ale belga, que mesmo sem adição de fruta, traz em seu aroma a condimentação leve e frutada que casa muito bem com a caramelização sutil da massa e os sabores da maçã assada.
Lembre-se de equilibrar!
Em qualquer diretriz, o Equilíbrio se faz muito importante. O ideal é ter as partes da harmonização sempre equilibradas, inclusive a quantidade de cada na boca: se você colocar um pedação de comida e pouca cerveja, nunca vai ficar harmonioso a ponto de te surpreender.
Uma boa dica final é ter bem claro na cabeça os cinco gostos básicos: Ácido, Amargo, Doce, Salgado e Umami. Para assim poder montar o quebra-cabeça e fazer a harmonização ficar sensacional.
Nada disso é regra absoluta, a gente pode não seguir as diretrizes e ainda conseguir excelentes harmonizações, porque tudo depende de gosto pessoal, de estado de espírito, do local onde você está, do clima do dia e da companhia, tudo isso influencia numa boa refeição acompanhada de uma boa bebida. Mas, se bater a dúvida, tenha em mãos todas as diretrizes que valem como um ótimo guia pra você entender como funciona, sempre seguindo seu coração. Porque nada fica mais gostoso do que aquilo que é feito com amor e dedicação.
Por último, não poderia deixar de fora a citação do cara que é um guia e uma inspiração, Garrett Oliver, do livro “A Mesa do Mestre-Cervejeiro”:
“Apreciar cerveja e comida é costume que existe há milênios. Cabe, então, perguntar qual objetivo de tentar formalizar um relacionamento que já é feliz”
[…] Aproveita e dá uma olhada em como fazer harmonização da sua cerveja! […]