Fuller’s London Porter, como deve ser.

Fuller’s London Porter, como deve ser.

julho 14, 2022 0 Por VoGadmin

Deguste com o Viva o Gole a Fuller’s brown porter.

Como costumo dizer, a cerveja é uma arte. Fazer uma receita que será lembrada por muitos anos é trabalho para verdadeiros artistas dedicados e que colocam a verdadeira paixão no processo. Vários rótulos de escolas do velho mundo, do novo mundo e até mesmo alguns rótulos brasileiros me vem à mente como cervejas artísticas, obras de arte – muitas vezes inacabadas ou em seu processo de valorização. Como toda arte, a interpretação fica por conta de quem a aprecia, de quem vê, cheira, toca, ouve e bebe. Você pode parar na frente do enorme Guernica, de Pablo Picasso, sabendo pouco ou nada sobre a Guerra Civil Espanhola, mas isso não significa que vai gostar menos ou deixar de ter uma perspectiva sobre aquela pintura. Assim também com a cerveja: você pode beber uma pilsen sem saber de Urquell, Tchéquia, e a importância que essas duas palavras tiveram na história da cerveja. E mesmo assim você vai apreciá-la de qualquer maneira. Meu ponto aqui é que a contextualização, o entendimento e a intenção de literalmente viver o gole, transformam o apreciar em deslumbre e isso traz o valor de arte para a cerveja.

O texto a seguir é uma hipérbole de uma análise sensorial da Fuller’s London Porter, uma Brown Porter.

A Revolução Industrial tinha essa cor. Não era tudo cinza ainda, a terra do chão começava a se misturar com os primeiros paralelepípedos disformes e desorganizados. O cobre, com sua cara marrom-avermelhada, era tanto a feição do trabalhador inglês, quanto do maquinário e, porque não, da Inglaterra naquele momento da História. As caldeiras, com sua mistura de cores do carvão e do fogo, começavam a produzir as fumaças de vapor que deixariam as cidades cada vez mais turvas, ainda que essa turbidez não fosse total. O brilho não se perdeu, só ficou um pouco mais retido em meio ao ambiente que meteorologicamente sempre foi nublado e ficava cada vez mais. A efervescência do burburinho das cidades aumentava, ainda que, se comparado a hoje, fosse apenas médio. O que não diminui o ritmo do trabalhador inglês da época, que, cansado, batia o ponto e se sentava no pub mais próximo com calma, apreciando lentamente o líquido servido.

O carvão e sua fumaça cobriam a cidade em um manto de torra. Os aromas se unificavam e simples, faziam o café ser superior ao chá em pelo menos uma situação inglesa. Mas esse café era a torra mais óbvia que se remetia. Para os mais atentos, aqueles que percorriam a cidade o dia todo, controlando os transportes públicos, as fumaças da produção industrial tinham o refino do chocolate, eventualmente até com um pouco de leite misturado e talvez nozes. Eram narizes acostumados a sentir muitos aromas diferentes, treinados pela insistência e convivência com a nova definição de cidade que se construía.Era um modo de vida amargo, mas organizado, sem deixar o doce que a vida nos oferece de lado. Os tambores de torra foram uma das inúmeras inovações da época e pareciam ter certa harmonia com o ambiente inglês. Enquanto deslumbrado com o novo modo de trabalho, nenhum trabalhador queria queimar suas energias de uma vez só, então equilibrava-se por igual, torrava sua energia com parcimônia, trazendo os aromas do mesmo chocolate sentido pelo “Porter” que estava circulando. O amargor organizado do novo modo de trabalho viria em crescente até os dias de hoje, sem nunca perder a delicadeza e excitação da descoberta.

Ficha técnica:Cervejaria: Fuller’s, InglaterraCerveja: London PorterEstilo: Brown PorterTeor Alcoólico: 5,4%


Viver o gole é se colocar, ou pelo menos tentar, se colocar na pele do “Porter” inglês do século XVIII enquanto bebe uma boa porter. Uma cerveja leve, com bom equilíbrio entre os aromas torrados e com teor alcoólico igualmente equilibrado, sem aparecer. Traz o chocolate, por vezes como um capuccino, e algum tom de nozes em segundo plano, tanto no nariz quanto na boca.