5 cervejas para beber história
julho 13, 2022Conheça 5 cervejas que vão te contar muita história sobre o mundo da cerveja
A cultura cervejeira no Brasil vai cada vez mais se aproximando da cultura cervejeira mundial. Com o aumento do interesse da população brasileira nas cervejas “artesanais”, as tendências passam a ser as mesmas de outros países mais inseridos na história da cerveja e o acesso a rótulos importados é cada vez mais fácil, seja no preço ou na disponibilidade. Esse movimento promete ser cada vez mais equilibrado, já que a nossa produção interna, ainda que pequena comparada à de países mais tradicionais – principalmente no âmbito caseiro – já nos permite beber rótulos sensacionais.
Com isso, assuntos cervejeiros já ressoam pelas ruas, blogs e canais de YouTube com certa frequência, todos contribuindo para a criação da cultura cervejeira brasileira: desde a onda do “puro malte” até as inovações e modas como pastry beers, sours e Juicy IPAs. E como não podemos fazer história sem conhecer a nossa própria, Viva o Gole preparou uma curta lista, uma seleção entre inúmeros rótulos que seriam tão relevantes quanto, para que você, conhecedor ou não, possa conhecer e aproveitar do verdadeiro sabor da história cervejeira na sua casa.
1: Pilsner Urquell
Uma lista como essa dificilmente começaria diferente. Original de Pilsen, a quarta maior cidade da Tchéquia (República Tcheca) com 163 mil habitantes, essa cerveja foi responsável por uma das maiores revoluções da história da cerveja: a criação de cervejas douradas, cristalinas e leves. Considere que a esmagadora maior parte das cervejas consumidas no Brasil – e no mundo – são exatamente assim, claras, leves e douradas. Em 1842, quando Josef Groll criou a Pilsner Urquell, a Inglaterra e a Alemanha faziam cervejas escuras, praticamente todas Ales, mais encorpadas e complexas. A Bélgica já vivia no seu mundo de maluquices e os EUA viviam uma época pré Lei seca na qual a cerveja não era a principal escolha para quem bebia.
Na Alemanha, as cervejas mais leves eram as Munich Dunkel, lagers de corpo baixo a médio, com tons marrons escuros, mas com certa refrescância. Nada que pudesse bater de frente com a pilsen tcheca.Para não nos perdermos em termos técnicos, usamos o básico: a água de Pilsen era muito propícia para a produção de cervejas leves. Com o conhecimento cervejeiro alemão, Josef Groll utilizou de maltes claros, leveduras de baixa fermentação, a água mole da cidade e fechou a receita com o lúpulo tesouro nacional tcheco, o Saaz, que trazia ainda uma elegância e complexidade de tons florais para aquela mistura. Mas para quem experimenta a Pilsner Urquell, existe mais um sabor bem evidente que consegue elevar ainda mais a cerveja. É um aroma proveniente dos maltes ligeiramente caramelados somados à um “erro” de produção que é a oxidação do mosto: ambos trazem o mel à boca de quem experimenta. Erro, entre aspas, porque não se sabe quão espontânea foi essa reação, mas que com certeza não traz nenhuma característica indesejada, pelo contrário, só complementa essa cerveja histórica!
Se hoje bebemos american lagers, pilsens, e ouvimos tanto da onda das puro maltes, é porque Josef Groll foi visionário e mudou a história cervejeira.
2: Weihenstephaner Hefe-Weiss
Parece clichê, e nesse caso é, com gosto. Gosto de uma Alemanha de mais de mil anos atrás e que você, por incrível que pareça, ainda pode comprar no mercado. É tanto tempo que fica difícil dizer com propriedade como era o mundo naquela época. Estamos falando do clero falando latim, do fim do império romano e divisão das terras europeias entre os povos bárbaros, do papa Benedito IX, que ascendeu ao poder com treze anos em 1033 e de pragas que ameaçavam o mundo todo de uma vez só. Você pode beber a mesma cerveja que um viking de verdade, por 25 reais que seja. Em 725 foi fundado um mosteiro beneditino onde hoje é a cidade de Freising, na Alemanha, e lá começou-se a produzir cerveja. Em 955 esse mesmo mosteiro foi atacado e destruído pelos húngaros e então em 1040, depois de muito esforço dos monges para reconstruir o mosteiro, o abade Arnold conseguiu a licença para produzir e vender cerveja. E se existiram monges determinados, esses eram os da Weihenstephaner. Depois do início da cervejaria, a construção seria destruída por eventos naturais e guerras inúmeras vezes, sempre sendo reconstruída e melhorada. É tão antiga que a própria lei alemã da pureza, que determinava como deveriam ser feitas as cervejas, veio só em 1516, quando a Weihenstephaner já tinha 476 anos de história.
Esse rótulo lendário, por si só, representa com pompa o estilo de cervejas de trigo tão famoso e consumido na Alemanha. Corpo médio e aroma de banana e cravo que vem da fermentação, como qualquer boa Weiss vai remeter, podem fazer essa cerveja passar despercebida na estante do mercado, mas nenhuma weiss, ou nenhuma cerveja atual, vai ter tanto sabor de história quanto essa.
Veja também: 5 cervejas para começar a beber as "artesanais"
3: Timmermans Lambic
A escola de cervejas belgas sempre foi e sempre vai ser de miscelâneas. Enquanto as características históricas sempre vão te levar aos monastérios, as características sensoriais sempre vão te levar para cervejas complexas e normalmente mais doces. Mas o que realmente difere as cervejas belgas das outras são as cervejas de fermentação espontânea. Tão fácil quanto adotar leveduras – talvez mais, já que elas vem até os cervejeiros belgas por necessidade básica.
Poderíamos falar de vários estilos e rótulos que são diferentes de tudo o que o resto do mundo produzia. As trapistas, dubbel, tripel e quadrupel, witbier e vários outros rótulos de cervejarias super famosas e requisitadas no mundo todo. Mas a história tem sabor mais marcante nas fruit lambics da Timmermans, produzidas desde 1701, quando a cervejaria ainda se chamava Marmota (Brasseriè de la Taupe) por Jan Vandermeulen. Não dá para dizer que foi ele quem criou as lambics, até porque eram as leveduras que decidiam entrar e fermentar o mosto do cervejeiro e era uma prática muito comum brassar em casa para o belga da época.
Pode ser, inclusive, uma experiência diferente para quem não consome muitas cervejas de fermentação espontânea: são em sua maioria baseadas em frutas, então suas características são ditadas pela fruta, mas sempre com acidez presente, podendo ser acompanhada de características doces.Ainda que sejam cervejas mais caras, vale experimentar pelo menos um pouco de tudo o que vem incluído na família de cervejas de fermentação espontânea, Fruit Lambic, Faro, Gueuze e etc.
4: Shepherd Neame Spitfire
A escolhida da escola inglesa traz consigo o peso histórico da cidade em que nasceu. Faversham era uma cidade de mercado e seu link com a cerveja remete a 1147, quando, mais uma vez dentro de um mosteiro, se produzia cerveja. Diferente de Pilsen, a água da Inglaterra é uma água bastante dura, rica em minerais, o que favorece aromas mais complexos e gera mais sobriedade na cerveja. Em Faversham não era diferente. Assim como não era diferente que fossem as mulheres – chamadas de ale wives – que brassassem as cervejas e as vendessem em suas public houses, os famosos PUBs.
Antes negócio de família, ainda que grande, a cervejaria se tornaria Shepherd Neame em 1864, com a união da terceira geração de Shepherds com um produtor de lúpulo chamado Percy Beale Neame. Durante a Segunda Guerra Mundial, a Shepherd Neame, mesmo com uma defasagem de 70 funcionários convocados para a guerra, continuou sua produção, aproveitando que cerveja não era racionada e ainda era considerada como importante para a moral do povo e dos soldados.
Em 1990 a Spitfire foi criada para comemorar os 50 anos da Batalha da Grã-Bretanha e se tornou uma das cervejas mais consumidas pelos ingleses, tanto por ser uma cerveja leve, com amargor insinuado e maltes caramelados, quando pelo fator histórico de orgulho inglês pela vitória na batalha travada nos céus britânicos da Segunda Guerra.
5: Anchor Steam
Muito se fala sobre a influência dos EUA na popularização das IPAs pelo mundo. Mas em um país que havia acabado de sair da Lei Seca, álcool seria um tabu por algum tempo. Antes da lei seca, o americano já trazia, de sua herança inglesa, o valor pela produção de cerveja caseira mas não soava como grande coisa – tanto que os EUA são considerados como uma escola do novo mundo cervejeiro, pela revolução ocorrida pós Lei-Seca.
Diferente dos outros quatro países, nos quais a cerveja sempre foi muito presente e forte culturalmente, os EUA pós Lei-Seca consumiam cervejas de massa, as american lagers, principalmente produzidas por Miller, Coors e Anhauser-Busch desde antes da proibição. Eram cervejas de produção em larga escala como a Budweiser, que pouco acrescentavam ou pouco traziam, se não o nome, de culturas das outras escolas cervejeiras.
Como faísca que acende a fogueira aos poucos, os cervejeiros caseiros começaram a se mexer e buscar opções de crescimento, dentro de uma comunidade que não via valor em cervejas artesanais, com “muito sabor”, “muito fortes” e etc. Dentro desse grupo, o grande nome cervejeiro é Fritz Maytag. Foi ele quem começou a dita Revolução da Cerveja Artesanal, revivendo uma pequena cervejaria pré-proibição à beira da falência chamada Anchor Brewing.
Com sua influência, Fritz levou toda uma geração de cervejeiros a produzirem e distribuírem suas cervejas pelos EUA, criando assim uma cultura cervejeira fortíssima no país. Tamanha foi a influência, que a Anchor Steam é a principal representante de um grupo de American Amber Ales, cervejas de corpo leve, com maltes levemente tostados e com características de lúpulos americanos frutados, principal estilo consumido no começo da revolução. Quase todas as cervejas dessa época, de cervejarias também famosas como a Brooklyn, Samuel Adams e outras nem tão conhecidas como a New Belgium, eram Amber Ales com aromas frutados. Cervejas essas que aos poucos conquistaram um país e evoluíram junto com a produção interna de insumos, principalmente o lúpulo até chegar no momento atual de consumo extenso de American IPAs, New England, Juicy IPAs e muito mais.